quarta-feira, 30 de junho de 2010

O Professor Tutor






A tutoria, também chamada de mentoring, é um método muito utilizado para efectivar uma interacção pedagógica.
Os tutores acompanham e comunicam com seus alunos de forma sistemática, planeando, entre outras coisas, o seu desenvolvimento e avaliando a eficiência das suas orientações de modo a resolver problemas que possam ocorrer durante o processo.
A tutoria prevê um acompanhamento frequente, regular, pertinente, de rápida e eficaz actuação.
O Decreto Regulamentar 10/99 de 21.07.1999, que complementa o Decreto-lei n.º 75/2008de 22 de Abril, artº 44, enquadra no seu artigo 10º a figura do professor tutor, remetendo para o Regulamento Interno dos Estabelecimentos de Ensino a definição de outras competências consideradas pertinentes em cada contexto educativo.

São base do trabalho tutorial:

• Os alunos que revelem dificuldades de aprendizagem.
• Os alunos que demonstrem dificuldades de integração no contexto escolar.
• Os alunos com fraco acompanhamento familiar.
• A redução do abandono escolar.
• Eventuais situações de conflito.

A acção de tutoria deve ser fundamentada nas seguintes premissas:

- capacitação – preparar os alunos para a sua própria auto-orientação e induzi-los, de forma progressiva, a criarem uma atitude para a tomada de decisões fundamentais e responsáveis sobre o presente e o futuro, quer na escola quer na vida social e profissional.

- continuidade - ser disponibilizada aos alunos ao longo dos diferentes níveis de escolaridade;

- educação – é tão importante a instrução dos alunos como a sua educação.

- implicação – dos diferentes actores, nomeadamente, família, comunidade e instituições que intervêm no processo educativo;

- individualidade – atender às características específicas de cada aluno;

Perfil do professor tutor

O professor tutor é um profissional designado pelos Órgãos Directivos do estabelecimento escolar, a quem são atribuídas horas para exercer a função específica.

A sua nomeação deve ter em conta os seguintes aspectos:



  • Ser docente profissionalizado com experiência adequada.
  • Ter facilidade em relacionar-se, nomeadamente com os alunos e respectivas famílias.
  • Ter capacidade de perceber os objectivos dos alunos e das suas famílias e estabelecer uma ligação real e adequada com a escola e tudo o que ela tem e pode oferecer, de modo a preencher as expectativas que aqueles possam ter. T
  • Ter capacidade de negociar e mediar em diferentes situações e conflitos.
  • Ter capacidade de trabalhar em equipa.
  • Ser coerente, flexível e persistente.
  • Conhecer em profundidade o nível de escolaridade do grupo de alunos.
  • Ter capacidade para proporcionar experiências enriquecedoras e gratificantes para os alunos.
  • Comprometer os alunos e fazê-los participar na definição de objectivos, tornando-os mais responsáveis.
  • Fomentar um ensino participativo, de forma a desenvolver nos alunos o sentimento de serem agentes da sua aprendizagem.
  • Criar um clima de interacção em que os alunos se sintam livres para se expressarem.
  • Criar pontes com a comunidade enquadrando, se necessário, apoio externo.


    Funções do professor tutor

  • Acompanhar de forma individualizada o processo educativo de um grupo restrito de alunos, de preferência ao longo do seu percurso escolar.
  • Elaborar um plano de acção tutorial.
  • Facilitar a integração dos alunos na escola e na turma.
  • Contribuir para o sucesso educativo e para a diminuição do abandono escolar.
  • Aconselhar e orientar no estudo e nas tarefas escolares.
  • Atender às dificuldades de aprendizagem dos alunos para propor, sempre que necessário, adaptações curriculares, em colaboração com os professores e os serviços especializados de apoio educativo e fazer a sua coordenação.
  • Promover a articulação das actividades escolares dos alunos com outras actividades formativas.
  • Esclarecer os alunos sobre o mundo laboral e os procedimentos de acesso ao mesmo, promovendo atitudes de empreendedorismo.
  • Esclarecer os alunos sobre as suas possibilidades educativas e os percursos de educação e formação disponíveis.
  • Ensinar os alunos a expressarem-se, a definirem objectivos pessoais, a auto avaliarem-se de forma realista e a serem capazes de valorizar e elogiar os outros.
  • Trabalhar de modo mais directo e personalizado com os alunos que manifestem um baixo nível de auto estima ou dificuldade em atingirem os objectivos definidos.
  • Obter um conhecimento profundo dos alunos e dos contextos em que se inserem.
  • Facilitar a cooperação educativa entre os docentes da(s) turma(s) e os pais/encarregados de educação dos alunos.
  • Implicar os docentes das disciplinas em que os alunos revelam maiores dificuldades em actividades de apoio à recuperação.
  • Implicar os pais/encarregados de educação em actividades de controlo do trabalho escolar e de integração e orientação dos seus educandos.
  • Informar, sempre que solicitado, os pais/encarregados de educação, o Conselho de Turma e os alunos sobre as actividades.
  • Desenvolver a acção de tutoria de forma articulada, quer com a família, quer com os serviços especializados de apoio educativo.
  • Elaborar relatórios periódicos.


    Plano de Acção Tutorial (PAT)
    O Plano de Acção Tutorial (PAT) faz parte integrante do Projecto Curricular de Turma e é um instrumento onde se clarificam os seguintes aspectos:
    • Os critérios e procedimentos para a organização e monitorização do trabalho tutorial.
    • As linhas de actuação que o professor desenvolve com os alunos e respectivas famílias.
    • A equipa educativa implicada.
    • As medidas para manter uma comunicação eficaz com as famílias, quer com vista ao intercâmbio de informações sobre aspectos relevantes para melhorar o processo de aprendizagem dos alunos, quer para orientá-los e promover a sua cooperação.
    • As actividades a realizar de acordo com a frequência estipulada.

Os PAT devem ser personalizados e adaptados ao contexto escolar onde vão ser aplicados, como se pode observar pelo exemplo apresentado no link acima indicado.

Referências bibliográficas

Regimento de tutoria (s/d). Escola Secundária de Odivelas.

Decreto-lei n.º 75/2008 de 22 de Abril, atº 44.
Decreto Regulamentar 10/99 de 21/07/99, artº 10º.

In Their Own Words - School-Based Mentoring

Uma Reflexão sobre Tutoria


A tutoria escolar no ensino secundário: algumas reflexões

A tutoria no ensino secundário

A metodologia Tutal tem sido aplicado nos 2º e 3º ciclos do ensino básico. Tal prende-se, essencialmente, com os objectivos de prevenção de abandono escolar e promoção do sucesso, bem como de articulação com a família dos alunos.

A intervenção no ensino secundário iniciada na Escola Secundária Vitorino Nemésio põe novos desafios à metodologia Tutal, nomeadamente em duas áreas:

a) Autonomia dos alunos – alguns estudos demonstram que este aspecto é particularmente relevante, no caso de adolescentes e jovens adultos, especialmente no caso dos rapazes (Karcher) 2008. De facto, os jovens do sexo masculino, em fases mais avançadas da adolescência, tendem a ser mais resistentes à intervenção de adultos conotados com a disciplina, a definição de regras ou o status quo. Tal deve ser enquadrado, precisamente, na fase que atravessam em termos de desenvolvimento, marcada por movimentos de autonomização que, não raras vezes, assumem a forma de desafio às normas sociais vigentes. Por outro lado, comparativamente às raparigas, os rapazes são tendencialmente mais orientados para a acção, levando a que a sua recusa da intervenção de adultos em determinados aspectos seja mais visível, uma vez que assume a forma de comportamentos abertos e explícitos. Paralelamente, os próprios adultos requerem cada vez maior responsabilidade dos jovens pelos seus próprios actos. No sistema formal de ensino, isso significa uma maior assumpção pelo protagonismo do aluno na aprendizagem que faz e, consequentemente, no sucesso ou insucesso escolar.



b) Suporte para a motivação – as questões da motivação/desmotivação são particularmente relevantes nas fases mais adiantadas da adolescência. Por outras palavras, acabam por assumir um carácter mais central, face às exigências do sistema formal de ensino, no sentido da responsabilização crescente do aluno, como atrás ficou já explícito.



Linhas de orientação gerais

Perante estes dois aspectos particularmente relevantes no acompanhamento em tutoria dos alunos que frequentam o ensino secundário, consideram-se importantes as seguintes linhas de acção:

1. Reforçar a vertente de aconselhamento da tutoria individual – a tutoria deve ser, essencialmente, um espaço focalizado no sucesso escolar. Os tutores deverão estar particularmente centrados na questão do sucesso e deve ser esse o primeiro motivo de abordagem dos alunos. É essencial que questões do funcionamento familiar ou pessoal do aluno sejam sempre abordadas deste ponto de vista, ou seja, como aspectos que poderão melhorar ou interferir no bem-estar do aluno e, consequentemente, no seu desempenho escolar. A entrevista motivacional como modo de abordagem, poderá funcionar como técnica central deste tipo de interacção.

2. Formalizar alguns aspectos do acompanhamento – devido às questões de alguma autonomização ensaiada pelos alunos nesta fase da adolescência, será importante que alguns aspectos de interacção do aluno sejam mais formalizados. Por exemplo: a) as interacções poderão passar a ser feitas em espaços como gabinetes ou salas; b) os alunos poderão ser chamados, formalmente, através de marcação de uma hora de atendimento, para discussão de aspectos relevantes do seu percurso escolar (e.g. absentismo, notas escolares nas disciplinas Y ou X); c) deverão evitar-se abordagens muito personalizadas em frente a colegas, nos espaços comuns da escola, as quais poderão ser sentidas como inoportunas pelos alunos.

3. Favorecer encaminhamentos – embora mostrando disponibilidade para abordar aspectos do foro mais pessoal do aluno, os tutores deverão favorecer os encaminhamentos necessários. Será importante que o aluno seja aconselhado a dirigir-se a serviços especializados, quando detectado um determinado factor psicossocial ou familiar de interferência na sua vida escolar. Factores de maior desestruturação familiar deverão ser comunicados ao Instituto de Acção Social, sendo esta a entidade que deverá intervir.

4. Transformar o espaço de tutoria grupal num momento de reflexão e discussão sobre aspectos de organização do desempenho escolar – poderá ser importante que a tutoria escolar funcione, essencialmente, como um espaço de aconselhamento para um maior aproveitamento escolar. Poderão continuar a ser discutidos aspectos como absentismo ou a ser desenvolvidos mecanismos de apoio ao método de estudo. Caso haja possibilidade de o fazer, poderão ser introduzidos momentos de discussão sobre o aproveitamento numa dada disciplina específica, com a presença do professor que a lecciona.

5. Organização de espaços de interacção com a família e outros significativos pelos próprios alunos – os professores tutores deverão dar aos alunos a iniciativa quanto ao modo como poderão ser organizados, da melhor forma, os espaços de interacção com a família. Por outras palavras, se previamente eram os professores tutores a organizar esses momentos e a definir de que modo se desenrolavam serão agora os alunos a decidir se querem momentos de interacção informal e como os querem organizar (e.g. se querem, por exemplo, mostrar um pequeno vídeo das suas actividades ou organizar uma pequena exposição ou até uma visita ao espaço oficinal, com a presença do professor tutor). É importante que, nesta dimensão, os professores tutores não abdiquem da sua função de aconselhamento, isto é, embora sejam os alunos a tomar mais as rédeas do processo, é imperioso que os professores tutores evitem opções claramente desadequadas, ao mesmo tempo que procuram influenciar positivamente a discussão, enquanto pessoas mais experientes.

6. Comunicação com os encarregados de educação – a este nível será, possivelmente, de evitar abordagens como visitas domiciliárias e de ponderá-las apenas e só em casos de alunos bastante dependentes de uma orientação promovida pelo professor tutor. Todavia, nestes casos, os alunos deverão estar presentes e assumir responsabilidades pelas soluções a implementar. Dever-se-á, também, evitar visitas sucessivas ao mesmo agregado, perante o incumprimento reiterado do aluno, mesmo que esteja em causa a sua continuidade. Em contrapartida, nestas situações, deverá ser reforçada a dimensão de aconselhamento individual do aluno desenvolvida no ponto 2.


Karcher, M. (2008). The study of mentoring in the learning environment (SMILE). A randomized evaluation of the effectiveness of school-based mentoring. Prevention Science, 9(2), 99-113.




Autoria: ufcaritasdosaco...@gmail.com
Consultado em http://groups.google.pt/group/tutal/web/a-tutoria-escolar-no-ensino-secundrio-algumas-reflexes em 30 de Junho de 2010

terça-feira, 29 de junho de 2010

Notas a Vygostky IV



O conceito de Zona de Desenvolvimento da teoria defendida por Vygostky faz-me colocar uma série de questões.

A ZDP é uma área de potencial desenvolvimento cognitivo que está dependente da orientação e colaboração dos adultos ou de pares mais desenvolvidos.

Em termos práticos, todos nós que trabalhamos com ensino temos a tendência para sentir se os alunos têm ou não aptidão para desenvolver a sua ZDP. É comum, nos relatórios escolares, os alunos serem referenciados como tendo ou não tendo capacidades para atingirem os objectivos.

Salvo casos específicos de grandes e profundas dificuldades cognitivas, será que todos os sujeitos conseguem desenvolver a sua ZDP? Penso que sim, se tivermos em mente que o ZDP não é mensurável e varia de indivíduo para indivíduo. Este desenvolvimento tem de ser visto sob a perspectiva de que o tempo não é igual para todos e as actividades têm de ser adequadas ao perfil do sujeito aprendente.

Este facto verifica-se na aquisição de uma ferramenta intelectual tão básica como é a linguagem. Nem todas as crianças a adquirem na mesma fase etária e nem todas a desenvolvem ao mesmo ritmo. São os chamados ritmos de aprendizagem diferenciados.

Também não sei se comungo da opinião de que em todos os estádios as crianças tenham de ter a mesma performance de apropriação de ferramentas. Isto porque o seu desenvolvimento cognitivo pode ser alterado e/ou os contextos modificados. Basta vermos como se desenvolve uma criança sem irmãos, para quem todas as atenções e cuidados são dirigidos e uma criança com muitos irmãos, a quem a atenção prestada é a necessária e cujo desenvolvimento é feito através da observação do comportamento e atitudes dos irmãos mais velhos. Esta torna-se muito mais independente e hábil e evolui mais rapidamente que a primeira. Isto faz-nos pensar que o desenvolvimento está relacionado com um instinto de sobrevivência.

Notas a Vygostky III


Existe uma forte relação, de acordo com Vygostky, entre contexto cultural e desenvolvimento psicológico.

Embora pareça claro numa primeira abordagem, questiono-me se será assim tão linear.

Faço referência a um caso concreto de um aluno meu. O V. foi retirado à família biológica com 3 anos de idade e entregue a uma família de acolhimento cujo patriarca é pessoa de bem e alto estatuto social, económico e cultural da nossa sociedade.

Foi criado e educado com os filhos biológicos do tutor e construiu referências familiares e sociais com o grupo.

Hoje, com 18 anos, V. é um jovem que, apesar de estar inserido num contexto cultural extremamente rico, apresenta uma imaturidade inadequada à sua idade e vivências e uma falta de motivação para a aquisição de saberes e competências que o possam ajudar a construir um projecto de vida.

Em contexto escolar, e como aluno de um curso profissionalizante que inclui uma componente de formação prática bastante elevada, o V. apresenta um elevado nível de absentismo e atitudes não adequadas ao contexto.

Em suma, V., apesar de estar inserido em contextos com um potencial algo elevado, no sentido de influenciar positivamente o processo de aprendizagem, não revela vontade nem aptidão para ser responsável pela realização das actividades que o ajudarão a construir o seu próprio saber.

Ele possui as ferramentas mas não as utiliza correctamente a seu favor.

Notas a Vygostky II


Vygostky considera que a actividade humana é medida pelo uso de ferramentas. Estas ferramentas são criadas e transformadas pelo Homem que as utiliza na sua relação com o mundo real, com os outros e consigo mesmo.

Como ser social e cultural que é, o ser humano tem necessidade de comunicar e interagir com os contextos em que se insere. Quanto mais ferramentas possuir, mais competências e saberes pode deter.

Essas ferramentas são adquiridas de dois modos: de uma maneira formal e baseada em conceitos científicos através da escolarização; de uma maneira espontânea através das aprendizagens resultantes das vivências e interacções diárias nos diferentes contextos.

Um Caso de Insucesso


Na escola onde trabalho, foi implementado, há cerca de 5 anos, o regime de tutoria. Este projecto era dirigido a alunos problemáticos que se relacionassem com um ou mais dos seguintes aspectos:
- ser membro de uma família destruturada;
- ter insucesso escolar;
- apresentar elevado absentismo escolar;
- apresentar comportamentos desajustados/inadequados;
- revelar alguma deficiência a nível cognitivo.

Os Directores de Turma referenciavam os alunos que depois eram seleccionados pela equipa técnica de apoio à turma (psicóloga e assistente social).

Os professores-tutores eram docentes designados pela Direcção, a quem tinham sido atribuídas horas de tutoria para completar horário. Havia o cuidado em perceber se os alunos tinham mais ou menos ligação com figuras masculinas ou femininas para atribuir o tutor.

Nos primeiros tempos do projecto, os alunos foram surpreendidos pela novidade do mesmo e, de certo modo, aderiram. Mas, com o passar do tempo, perderam a motivação e foram desistindo dos encontros com os tutores. Estes, por seu lado, sentiram-se incapazes de concretizar a tarefa e praticamente desistiram.

Nos relatórios do projecto, as principais queixas dos tutores foram que os alunos provinham de contextos sociais e culturais muito desorganizados e as coisas que o contexto escolar valoriza não têm qualquer importância para eles.

As negociações e renegociações de objectivos tinham sido feitas, mas nada surtiu efeito.

Este projecto durou 2 anos e terminou por desistência de ambas as partes.

Tutoria - Orientação em Interacção


Segundo Vygostky, uma pedagogia eficaz não deve resumir-se a um processo de ensino-aprendizagem baseado na interiorização. O aluno deverá ser capaz de reconhecer e usar os saberes em novas situações.
Com vista à realização deste processo, surge o conceito de professor tutor que, através de uma função de regulador das aprendizagens, orienta, de forma subtil, as actividades do aluno que, deste modo, se torna mais confiante na resolução dos problemas.
De igual modo, a tutoria pode ser feita pelos pares, isto é, a partilha de aprendizagens entre os alunos.
Várias grandes questões podem ser aqui colocadas:
1) uma das funções da tutoria é a contextualização para que a aquisição dos saberes e competências se concretize.
Será isso positivo? Não criará nos alunos a necessidade de serem contextualizados em todas as novas situações da sua vida? Se isso não acontecer, terá sucesso?
2) São colocadas no professor-tutor grandes expectativas e responsabilidades. Se o aluno falhar, caberá ao professor assumir a responsabilidade do sucedido?
3) Se a escola se envolve tanto na formação e educação do aluno, esta não terá tendência para se sobrepor à família? E a família? não será desresponsabilizada?
4) Como em todos os processos, a tutoria exige um enorme sentido de ética profissional e pessoal. Quem define o perfil do professor-tutor e quem regula a sua actividade?

O Peso da Matriz Cultural em Contexto Escolar

A matriz cultural pode ter um papel decisivo no modo como os alunos reagem às actividades escolares.
Baseada na minha experiência pessoal, abordo o assunto sob dois pontos de vista: 1) o sócio-económico e 2) o cultural.
1) Os alunos com quem trabalho são oriundos de bairros degradados e/ou pertencem a famílias destruturadas e economicamente debilitadas. Neste contexto, temos dois tipos de resposta:
a) os alunos que querem aprender, evoluir porque desejam uma vida melhor e, em muitos casos, proporcionar à família uma ajuda financeira. Estes consideram as actividades escolares importantes e necessárias ao seu desenvolvimento.
b) os alunos que têm como referências adultos pouco ambiciosos e acomodados, que vivem com dificuldades mas tiram partido da vida sem se preocuparem muito com o dia de amanhã. Os seus educandos não ambicionam mais do que isso e, por esse motivo, apenas valorizam as aprendizagens espontâneas e descuram as actividades escolares.
Cheguei a ter um aluno que me disse: «O meu pai tem a 4ª classe, é dono de uma loja, tem uma casa e um carro. Eu já tenho o 6º ano. Acha que preciso de mais?»
2) Os alunos com quem trabalho são, na sua maioria, de famílias de origem africana. Apesar de serem portuguese e terceira geração dos antigos refugiados das ex-colónias, carregam consigo o peso de uma cultura com a qual se identificam: a dos seus avós e que a sua comunidade faz questão de fazer prevalecer.
Apesar de frequentarem uma escola de língua e cultura portuguesas, continuam a ter dificuldade na utilização correcta da linguagem, quer em compreensão, quer em expressão e não revelam interesse em adquirir conhecimento em áreas relacionadas com culturas diferentes da sua.
Por exemplo, uma aula de português é extremamente difícil de concretizar de forma positiva porque estes alunos não têm qualquer referência cultural e/ou histórica da língua portuguesa e dos seus representantes. Se aprenderam, depressa esqueceram.
A certa altura, a direcção da escola decidiu desenvolver umas actividades dirigidas aos alunos das comunidades africanas com o objectivo de os ajudar à integração na comunidade escolar e evitar a formação de grupos rivais que pudessem ter consequências negativas, lembrando o infelizmente célebre caso do jovem assassinado à facada num dos páteos da escola, em Dezembro de 2008.
Essas actividades tiveram muito sucesso junto dos alunos porque incluiam mostras culturais africanas de diversos tipos.
Só que, curiosamente, a um dado momento, a escola começou a transformar-se numa escola onde estava a começar a dominar a cultura africana em vez da portuguesa.
Foi necessário parar o processo para evitar correr o risco de descaracterizar uma escola com 200 anos de existência e com um projecto educativo baseado na inclusão social através do desenvolvimento pessoal e cultural dos educandos com vista à sua participação na sociedade.

Notas a Vygostky


O processo ensino-aprendizagem, analisado através da Teoria da Actividade de Vygotsky, consiste na concretização de uma série de actividades que permitirão ao aluno adquirir o saber e competências desejados e tornar-se, desse modo, o resultado da sua própria actividade, sempre condicionado pelos contextos e objectivos.

É certo que a prendizagem é um processo dependente do 'querer', mas este é condicionado pelos diferentes contextos que envolvem o aluno, conforme refere Vygotsky.

Vygostky afirma que a consciência humana é de natureza social e cultural. Sociedade e cultura são conceitos criados pela necessidade organizativa inata ao Homem. Este criou-os para depois se regular por eles.

Interiorização (Internalization) é o processo pelo qual o sujeito modifica os artefactos culturais apropriados em condicionantes transformadores da mente e os utiliza numa perspectiva intrapessoal, consciente ou inconscientemente.

A Pedagogia construtivista de Lev Vygotsky (1896-1934)


Lev Semenovitch Vygotsky (1896-1934), nasceu, na Bielo-Rússia.
Desconhecido no Ocidente, a sua obra foi descoberta na década de 60 do século passado, graças às primeiras traduções dos seus livros.
O impacto de Vygotsky nos meios educacionais ocidentais foi tremendo e talvez só seja comparável à influência e popularidade de Jean Piaget. Tanto Vygotsky como Piaget partilham a visão construtivista, assente na ideia de que a única aprendizagem significativa é a que ocorre através da interacção entre o sujeito, o objecto e outros sujeitos (colegas ou professores). As outras formas de aprendizagem, como sejam a imitação, a observação, a demonstração, a exemplificação e a prática dirigida são colocadas em lugar secundário tanto por Piaget como por Vygotsky.
O que verdadeiramente distingue Vygotsky de Piaget é a descrença do primeiro em relação a uma hierarquia de estádios do desenvolvimento cognitivo tão estanque e determinista como a que Piaget desenvolveu
Vygotsky, à semelhança do que mais tarde faria Jerome Bruner, dá, igualmente, maior relevo aos contextos culturais e ao papel da linguagem no processo de construção de conhecimento e de desenvolvimento cognitivo. De resto, há muitas semelhanças. Até mesmo a teoria da zona de desenvolvimento próximo, central na teoria da aprendizagem do pedagogo soviético, não é muito diferente das propostas de Piaget ou de Kohlberg sobre as tarefas moderadamente discrepantes, ou seja, sobre o potencial educativo e desenvolvimentista das tarefas de ensino que não sejam nem muito difíceis nem muito fáceis para o aluno. Como é sabido, Piaget defende que as tarefas devem provocar um desequilíbrio cognitivo moderado que permita ao aluno passar por um processo de assimilação e de acomodação que potencie o desenvolvimento dos esquemas mentais, em direcção a uma nova equilibração e por aí adiante. A teoria da zona de desenvolvimento próximo tem, de facto, grandes semelhanças com a teoria da equilibração de Jean Piaget.
A aprendizagem mais significativa é a que se baseia no processo de construção do conhecimento por parte dos alunos. Esse processo de construção é tanto melhor conduzido quanto melhor o professor for capaz de criar ambientes de aprendizagem que potenciem a interacção entre alunos em estádios cognitivos ligeiramente diferentes ou em fases de transição de estádio.
Vygotsky defende que a criança aprende melhor quando é confrontada com tarefas que impliquem um desafio cognitivo não muito discrepante, ou seja, que se situem naquilo a que o psicólogo soviético chama de zona de desenvolvimento próximo. Esta teoria tem implicações importantes no processo de instrução: o professor deve proporcionar aos alunos a oportunidade de aumentarem as suas competências e conhecimento, partindo daquilo que eles já sabem, levando-os a interagir com outros alunos em processos de aprendizagem cooperativa. Provavelmente, a maior originalidade da teoria de Vygotsky reside na ênfase que ele dá ao papel dos contextos culturais e da linguagem no processo de aprendizagem. Vygotsky enfatiza a ligação entre as pessoas e o contexto cultural em que vivem e são educadas. De acordo com ele, as pessoas usam instrumentos que vão buscar à cultura onde estão imersas e entre esses instrumentos tem lugar de destaque a linguagem, a qual é usada como mediação entre o sujeito e o ambiente social. A internalização dessas competências e instrumentos conduz à aquisição de competências de pensamento mais desenvolvidas, constituindo o cerne do processo de desenvolvimento cognitivo.


Fonte: MARQUES, Ramiro (Maio 2007) in http://www.eses.pt/usr/ramiro/docs/etica_pedagogia. Consultado em Junho de 2010

A Teoria da Actividade em Contexto Escolar


De acordo com Fernandes (2009:91), o local de aprendizagem (sala de aula ou oficina) é um «sistema de actividade». É nestes espaços físicos que o professor orienta os alunos para a aquisição de saberes e competências, que a dúvida se confronta com a certeza, que a curiosidade motiva a descoberta, que a falta de competências dá lugar ao desânimo, tudo num processo activo, interactivo, de avanços e retrocessos.

Cabe ao professor a capacidade de adequar as actividades aos seus alunos de modo a que eles consigam reconhecer os sinais, os códigos, as linguagens daquilo que se pretende transmitir como bom e útil para o seu desenvolvimento, bem como contribuir para a aquisição/construção de novas ferramentas que irão valorizar a sua interacção social e cultural.

Põe-se a questão de perceber se, com a organização da sociedade actual, com a multiculturalidade escolar, será possível transmitir aos alunos a diversidade de códigos sociais e culturais e fazer com que eles se apropriem deles e os usem como ferramentas?



FERNANDES, Domingos (2009). Avaliação das aprendizagens em Portugal: investigação e teoria da actividade. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 09, pp.87-100